domingo, abril 30, 2006

Iguaçú › 11 Abr

Monumental! Poucas palavras são necessárias. É chegar, caminhar, e de repente
(sempre não mais que de repente)
sentir a força das águas.

Em tupi-guarani Iguaçú quer dizer águas sagradas. Faz tanto sentido para os índios que aqui viviam como para mim hoje.

Mais que máquina fotográfica, usei o gravador, pois a música das águas era impressionante. Som tremendo!

Aconteceu: fui roubado! Por um quati! Essa mistura de raposa e urso, com traços de rato, aproveitou enquanto estava tirar uma foto e num impulso revira a minha mochila, fugindo com a comida do dia. Pulha!

Caminho até Iguaçú › 9-11 Abr

De forma a escutar um pouco mais de música argentina, decidimos fazer os 1400 km que separam BsAs de Iguaçú visitando pequenas povoações, sem dormir em hotéis, cochilando somente em autocarros.
Conhecemos aldeias minúsculas como Yapejú, em que as avenidas não são alcatroadas, a gente pareceu-me excessivamente preocupada com as limpezas, acordando para varrer, varrendo sobretudo as infinitas carochas pretas que se invadem tudo durante a noite; uma moça lavava os vidros partidos de um terminal de autocarros que nem sequer tem uma bilheteira; nem pensar em encontrar um café expresso…

Nas restantes terreolas a música foi parecida. De facto fora de BsAs a Argentina é radicalmente diferente, bem pacata, mais escura, igualmente acolhedora. A descobrir com mais vagar…

quinta-feira, abril 27, 2006

Aquele abraço

Aterrar e não ter alguém à espera no aeroporto é não dar a importância devida ao acto de viajar. Sou um urbano sentimentalista. Em BsAs a Malu esperava por nós, para imediatamente nos levar a casa da Cruz e apresentar-nos à cidade. Um grande beijinho para as duas porteñas.

Cafés

O que passámos em terras brasileiras em busca de um bom café...sem açúcar! Aqui não existe esse suplício. Dos maiores prazeres de BsAs é vaguear, se possível pelo bairro de San Telmo, e ir parando em cada quadra a falar de algo que passou, e em cada café falar de algo que irá passar...


Não falo do Café Tortoni, mas posso falar, pois nele encontrei Borges a escrever, escultural. É um museu autêntico, paredes forradas de quadros, fotografias famosas, antecâmaras que revelam a história que foi escrita. Mais que mágico!

quarta-feira, abril 26, 2006

Arte para todos

No MALBA (Museu Arte Latina BsAs) reencontro a Maureen, amizade travada no Rio. A vida é a arte do encontro... Entramos, desviamo-nos de Di Cavalcanti, acenamos a Frida Khalo e seguimos, pois foi perante um mural que nos detivemos eternamente. Bem ao estilo sul americano revolucionário, Fabián Marcaccio espantou-nos com esta obra de 15 metros por 3 de altura, retratando o dia de violência quando Perón regressou, combinando sobreposições fotográficas, pintura, colagens, silicone moldada que se propagava pelo próprio museu. Gostei muito.

Mas talvez tenhamos encontrado a melhor arte numas ruelas não muito longe do estádio do Boca Juniores, onde o Santiago, garoto de 12 anos, se declarou artista, assim, tal e qual, pretensioso, já com comportamento de artista, assinatura e tudo... numa folhita de papel desenhou-nos a sua visão de BsAs, que também gostei, e o garoto-homem logo expedito em vender-nos por milhões pois ia ser valiosa mais tarde...
Mágico, Buenos Aires..!

Fetiche mórbido

Percorri todos os cemitérios da cidade para satisfazer o apetite necrófago do companheiro de viagem: encontrar a campa de Astor Piazzolla. Não foi fácil. De facto o criador do novo tango não é muito querido por aqui. Mas valeu pela descoberta que os cemitérios por aqui são autênticos templos artísticos, cada campa um monumento. Eterno. Mágico!

Musicalidades

Nem só de tango vive BsAs...
Uma grande experiência musical é ir ao Teatro Colón. Mundialmente famoso, de facto a acústica é não só refinada como chega a ser bela. Arranjámos bilhetes para assistir à Orquestra Sinfónica da Escócia tocar Schumann. Prazer bem diferente da noite seguinte, em que descubrimos que Donna Regina estava na cidade. A 1ª parte esteve entregue a uma banda do novo som argentino – Entre Rios. Sonoridade pop electrónica, melódica, envolvente, um cheirinho da boa música que se faz por aqui.


Omnipresente, o Tango dá um toque de requinte à cidade. Mas é inevitavelmente turístico. Para evitá-lo um pouco, acompanhámos a Cruz, bióloga amiga do André, à sua sessão semanal de Milonga. Noite deliciosa em que não me ousei a levantar-me da cadeira. Que bonito foi observar no seu habitat natural o tanguero típico, cabelo para trás, barbicha aparada... mas o que o faz ser quem é está no olhar confiante com que executa o ritual educadíssimo de convidar a senhorita para dançar, discreto com o acenar para a pista... e depois é um deslumbre, no sentido contrário aos ponteiros do relógio, lá se vão entrelaçando. Lindo!


Mas atenção que grande parte do som que impera na movida é a batida electrónica, maioritariamente importada. Várias opções de after-hours, que abrem às 7h, 8h,.., em locais em frente ao rio. Esta sim é a cidade que não dorme, mágica!

Buenos Aires › 3 Abr

Directamente da serena Patagónia para a gigantesca metrópole, não sinto problemas de adaptação. Auriculares postos, cruzo as ruas de BsAs a voar, contente e sorridente. Para tal tomei unicamente a droga mais poderosa para esse efeito: solidão cortada com uma dose de música certa. Urbano assumidíssimo.

Olhando para a cidade as possibilidades são imensas: San Telmo, Pallermo, Recolleta, La Boca,... É encantadora, moderna, de uma arquitectura de pasmar. É comum dizer-se que é europeia, mas estamos na América do Sul e isso é muito. De facto Madrid e BsAs são ambas cinzentas e stressantes.., com a excepção de BsAs que é colorida e festiva!


O ritmo é alucinante, a gente é imensa, o que a faz fervilhar de vida constantemente, haverá sempre para tudo, novos e velhos, de manhã à noite.
Y la gente!? Me encanta mucho la gente con su acento argentino. Yo también soy porteño!
Buenos Aires é mágica!

Aquele Abraço

Bonita a casa do casalzinho recém-casado... Foi bom partilhar com a Tânia e Gonza as paisagens que eles tanto gostam. Depois do que eles lutaram para estarem juntos, eles merecem. O amor é lindo!

terça-feira, abril 18, 2006

Cipolletti › 31 Mar

Uma vez na Argentina nao podia deixar de visitar casa nova da minha amiga Tânia e do Gonzalo. Fica em Cipolletti, perto de Neuquén mas já na província de Rio Negro, bem no meio da Argentina. Quando refeitos da excitação do encontro, saciados com a melhor carne gaucha, acompanhados de um divinal Malbec, propusemo-nos a atravessar a Patagónia até à Cordilheira dos Andes.

Carro atestado com os bens fundamentais, maté e CDs, 1000 km esperávam-nos. Era sabido que nos esperariam também vários obstáculos ao longo da estrada, mas com os buraquitos!, bois, emas!, podíamos nós bem. Contra os piquetes de greve, força reindivicativa muito usada no sul argentino, só nos restava esperar. Menos de 1 hora de negociacoes, lá conseguimos contornar a estrada barricada de fogo e pessoas fogosas.

A Argentina é um país gigante. Consequentemente oferece uma enorme diversidade de clima e paisagens.
Atravessar a meseta foi o primeiro passo. Deserto, vazio (convém abastecer de combústivel), pouca vegetacão, com a banda sonora certa, era só sentir a forca do nada. Tremenda. Quando caiu a noite não dizia nada, congelado a sentir. Concordo contigo Tânia, na sensacao única de verticalidade que a meseta transmite. Quanto a mim vem em primeiro lugar da inexistência de coordenadas horizontais, nada à esquerda, nada à direita. Sem árvores nem montanhas, a falta de referências também elimina a coordenada vertical. Só que os milhões de estrelas confundem tudo, puxando-te para cima.Descoordenado, elas estavam mesmo ali. Por diversas vezes estendi a mão para lhes tocar. Posso estar errado, mas pelo menois uma vez fiquei bem perto. Quando bem ao fundo despontou uma tempestade eléctrica fiquei mais próximo da realidade.

Passámos ao lado de Barriloche sem parar, pois o Gonzalo conhecia umas cabanas para pernoitar, lá no meio de um lago.Confiei, pois na noite cerrada não via nada, somente ouvia os animais noturnos. Ao acordar foi um baque, da janela do quarto via o lago imenso, mais a vegetação repentina e as montanhas com neve no cume. Bárbaro!O Gonza levou-nos por camionhos de uma beleza natural incrível, sempre rodeados de lagos espelhados em vales glaciares. Gosto é de fotografar gente, mas a Patagónia dá vontade.

Numa paragem, um argentino segredou-nos um caminito que ia dar a uma zona de condores. Fomos. Demos de cara com de uma rocha massiça, cerca de 50 metros imponentes, cheia de pequenas grutinhas rugosas escavadas numa formação geológica do mais estranho que vi. Em algumas dessas cavidades vislumbrámos com a teleobjectiva dejectos brancos, assim como que fresquinhos. Não os provei, mas o experiente Gonza declarou tratar-se sem dúvida de merda de condor. Fizémos uma espera, queríamos vê-lo em seus aposentos. Alguns mates depois, apareceram graciosos nos ares, com a luz doirada de final de tarde a moldar-lhes as asas, magestosos. Nunca chegaram a pousar. Fomos embora.

sexta-feira, abril 07, 2006

Aquele abraço

As amizades da Praia do Rosa estenderam-se até Montevideu. A porta da casa da Sílvia estava aberta à nossa espera. Lá dentro também se encontrava o grande cozinheiro Rafa. Graças a eles conseguimos saber imenso do Uruguai em apenas dois dias e ainda levar connosco muito boa música. Aquele abraço e a promessa que música portuguesa chegará um dia.

Pequenas diferenças

Gosto muito de ler. Foi um pânico ter que escolher um só livro para a viagem. Borges acompanha-me desde Portugal.
Por aqui escrevo mais que leio!

"Trago sempre o meu diário comigo. É importante ter algo de bom para ler no comboio"

Oscar Wilde

Montevideu › 29 Mar

Grande som! Grande surpresa!
Se expectativas são desilusões antecipadas, consegui não criar nenhuma para este país. Foi tudo lucro!

Sempre com banda sonora uruguaiana,
Bajo Fundo, Buenos Muchachos, Jorge Drexler,
descobrimos uma cidade encantadora. descobrimos também que já não estávamos no Brasil. Diferenças instantâneas: a cara, os olhos, as mãos, a organização, o som não barulhento, a temperatura, a música.

Chegámos no dia certo. Em cada dia 29 é tradição obrigatória no Uruguai comer noquis. Por todo o lado. É estranho ninguém saber ao certo o porquê, fora a notória influência italiana na região. Não é importante quando a janta está magnífica.


Outra particularidade da cidade, que pelo que me contam alastra-se a todo o país, é o uso da erva maté. Bebida para paladares vigorosos, é uma espécie de chá que envolve um ritual de preparação.
Viciados não assumidos, qualquer uruguaio desperdiça a mão esquerda a segurar a cuia e a mão direita para verter o termo. Literalmente em todo o lado. A dose é aplicada pelo jovem no meio do metro, pelo executivo a meio de uma reunião, ou pelo mauzão que para mim perdia toda a autoridade por me olhar da fila para recarregar o termo com água quente.

Pequenas diferenças

Já vi muita moda no que respeita ao vestuário de computadores portáteis. Variantes de ostentação incluem malas com tripla protecção, formas extravagantes e aerodinâmicas. Eu já usei uma mala que parecia que era para ir para o espaço. Ou vinha do espaço.
Por aqui Toshiba deve ter tradução para rouba-me e IBM para assalta-me. Vi portáteis em sacos de supermercado ou, quando deixados em casa, escondidos no forno.

Porto Alegre › 27 Mar

Terra do socialismo brasileiro, sede do Mercosul, Forúm Social Mundial, tentativa de independência do Brasil, esperava de PA um som revolucionário. Dei por mim estava numa festa de Pagode! Foi engraçado, até era um pagode meio alternativo.
Fomos até à Prefeitura para saber algumas informações sobre o orçamento participativo. Tivemos direito a uma visita guiada ao belo edifício (onde estava o Prefeito?) mas respostas nada. Valeu pela retrospectiva da Arte Contemporânea Brasileira no museu em frente, gratuito como todos na cidade.

Um dia não é suficiente para conhecer uma cidade, mas temos que seguir caminho: Uruguai! País diferente, música diferente?

Aquele abraço

Dança-se conforme a música, e depois de conhecermos a Cris, a Renata e a Mary, PA ficou bem longe. Beijinho para a cantora Renata, beijinho para a ecológica mama Mary, e beijinho enorme para a Cris, que tem o dom de mostrar que existem pessoas que são simplesmente boas.

Praia do Rosa › 24 Mar

Decidimos fazer uma pequena paragem antes de Porto Alegre, pois a Praia do Rosa está na lista das 10 praias mais bonitas do mundo.
Local de sonho. Finalmente descobri onde os Yo La Tengo compuseram Green Arrow. Tranquilidade é senhora. Practicamente tínhamos a praia só para nós, que dividíamos irmamente com alguns bois. De acesso difícil, tudo o que a rodeia é tão rústico e caipira. Cheguei a ter sonhos com o Chico Bento e a Turma da Mônica.

Subimos e descemos trilhas magníficas. Sempre com o som do mar a orientar-nos, vencíamos os obstáculos deixados pelos companheiros bois, em busca do melhor ângulo.
À noite, sem luzes ao redor, via tudo. Todas as estrelas. Na cama de rede, só tinha medo que o céu me caísse em cima.