segunda-feira, março 20, 2006

Makumba!

A par do catolicismo existe outra religião igualmente praticada na Bahia: o Candomblé. É uma religião oriunda de África, que se presta culto a diversos deuses chamados de Orixas. Cada crente tem o seu Orixa protector e em cada 15 dias reunem-se em locais chamados terreiros para fazerem um ritual de homenagem, que por vezes envolve sacrifícios de animais.
Numa noite memorável decidimos assistir a uma sessão. As cerimónias só são practicadas fora do centro, em favelas que rodeiam Salvador, pelo que fomos com o Luis, um guia também ele practicante de Candomblé.
Entrámos com a cerimónia já a decorrer e o coração dispara, pois não reconhece um ambiente assim. Onde estamos? Na África profunda das senzalas e plantações de cana? O que está a acontecer? Peça de teatro/dança ou crença metafísica levada a sério? Parece-me que será este o caso. Após algumas horas (fomos embora a meio, pois o Candomblé não tem hora para acabar!) fiquei convencido que era muito respeitado pelos participantes, que de forma natural mas clemente pediam conselhos aos deuses.

A cerimónia foi orientada por uma mãe-de-santo bem velhinha, que dançava como se tivesse 16 anos, soltando gritos incompreensíveis para chamar os deuses. Os tambores só podem ser tocados por homens e ecoavam de forma estrondosa pela sala reduzida. Gostei de 2 pormenores da sala: ao canto, um garotinho da favela adormece como se estivesse a assistir a um programa banal da tv; noutro canto descubro uma imagem de Santa Bárbara, simbolo cristão mas que não importuna minimamente os praticantes desta religião (para pensar, esta coexistência pacífica de mais do que uma religião).


De repente os deuses vieram! Não estava propriamente à espera que batessem à porta; visto que são deuses concordo que estejam à vontade para aparecerem quando quiserem (caso sejam daqueles omnipresente então é que não há mesmo nada a fazer), mas o estranho foi que apareceram dentro das pessoas!
A primeira foi a mãe-de-santo. Os olhos começaram a virar, o corpo curva-se entre vénias e ataques epilépticos, sempre tremendo, entra em transe! Os restantes ajudam-na, aliviando-a de alguma roupa e encaminhando-a para uma sala contígua até passar o transe. Enquanto ela está em transe o Orixá fala através dela. É assustador, mas não daquele tipo que mete um medo mau... mais daquela adrenalina boa que sentiamos quando viamos um Hitchcock Apresenta quando éramos crianças.
Seguem-se, à fartura, outros Orixás em outros practicantes. O mais inesperado foi o caso de uma moça grávida, que não estava a dançar mas sim sentada ao nosso lado, e de repente (não mais que de repente) entra em transe! Ajudam-na com mais cautela, tentam tirá-la desse estado pois dizem que não é recomendável dada a sua condição. Mas vejo-a levantar-se, tremendo, de olhos fechados, sempre tremendo, esboçando uns passos de dança tribal, e desaparece para a outra sala, subindo uns degraus de olhos fechados, tremendo e dançando.

De referir que durante a cerimónia, enquanto dançam em honra dos Orixás, muita cachaça é bebida, charutos enormes são acessos; a mãe-de-santo chegou a partilhar connosco uma bebida feita de cerveja quente com açucar.
Quando esta coisa dos deuses estarem sempre a aparecer pelos corpos adentro acalmou (por onde é que um Orixá entra em ti?) fizeram uma limpeza espiritual, não só aos habitantes da favela mas em nós também! À vez, na outra sala, a mãe-de-santo esfrega-nos o corpo com folhas de algo tipo louro enquanto debita uns sons estridentes. Para finalizar, cobre-nos com pipocas! Não sei! Não faço ideia porquê pipocas! Nem sei se seriam doces ou salgadas, embora muitas tivessem ficado presas nos caracois dos meus cabelos. Claro que também saltava à vista um prato para nós gringos darmos uma contribuição. Achei justo.



O relato é suposto ser num tom leve, mas como afirmei em cima, considero que tive uma experiência intensa de uma crença profunda. A não ser que tenham presenciado pessoalmente, vão ter que confiar na minha visão.

Uma nota final para dizer que era proibido tirar fotografias. Que pena que me deu em mim. Uma mãe-de-santo bahiana é uma figura que gostava de fotografar. O André ainda conseguiu tirar estas imagens à socapa.

Depois disto vou em busca de outro tipo de som. O som do Rio!

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Axê!

Bela experiência, sim senhor. Daqui a uns tempos lá me dirás se foi mesmo "único" e "intenso" à luz do resto da viagem...

Do outro lado do oceano, nesta outra Mamma Africa,

Aquele abraço!

Joe

10:37 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home